sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Entre a cruz e a urna

 
Representante da CNBB diz que candidatos pensam da mesma maneira sobre o aborto. E que a Igreja não deve dar apoio político.
No domingo (31), os brasileiros serão novamente chamados às urnas para tomar uma decisão que, aparentemente, tem o prazo de validade de quatro anos. Se forem consideradas, no entanto, as possibilidades de execução (ou não execução) de tantas promessas de campanha podem ter esse prazo estendido por muito mais do que até a chegada da próxima Copa do Mundo, em 2014.
Os paraenses, assim como os habitantes de outros nove Estados do Brasil, terão dupla responsabilidade nesse segundo turno, pois, também, devem decidir seu governante no Estado, entre a candidata à reeleição, Ana Júlia Carepa (PT), e o candidato da oposição, o ex-governador do Pará, Simão Jatene (PSDB).
Mas apertar o botão verde de "confirma" na urna eletrônica não é tão simples quanto parece. A decisão pode carregar a possibilidade de melhorias para milhões de brasileiros, que devem escolher entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) para presidente do país .
Para ajudar o eleitor a compreender o panorama desse segundo turno nas eleições brasileiras, e como observar melhor os candidatos, a Voz de Nazaré conversou com o secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Daniel Seidel. Com graduação em Ciências Contábeis e especialização em Psicodrama Aplicado, Daniel é mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e professor na Universidade Católica de Brasília.
Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, afirmou recentemente que "todos devem ser chamados ao bom senso nessas eleições". Do ponto de vista da Comissão Brasileira de Justiça e Paz o que é o bom senso para os candidatos? E o que deve ser o bom senso para os eleitores? 
O bom senso para os candidatos é focalizar a sua campanha na proposição de metas viáveis evitando ataques mentirosos e caluniosos. Na verdade, achamos legítimo que haja comparação entre programas de governo, entre metas alcançadas por diferentes candidatos em diferentes épocas no país. Agora, o que a gente não acha justo, e por isso o chamamento ao bom senso, é que seja feito esse tipo de ataques pessoais e caluniosos, essas questões devem ficar fora. O embate, o conflito de propostas, de projetos é legítimo, mas, de fato, precisa haver outro modo desse relacionamento entre os próprios candidatos, uma vez que os dois têm trajetórias importantes de serviços prestados ao país. E ambos pertencem a partidos que já estiveram na Presidência na República, então nada mais justo do que ter oposições, mas realmente de uma forma que não seja no estilo de ataques pessoais. Da parte dos eleitores, o bom senso é um pouco observar e decidir essas coisas, principalmente o voto de forma racional, tendo como critério justamente aquela capacidade que cada um desses projetos de governo tem de promover a inclusão social, principalmente a inclusão dos mais pobres, é o critério ético que todos devemos utilizar, porque a partir daí,  há outras proposições, com o povo tendo acesso à saúde e a direitos sociais básicos cada vez mais pode avançar na sua consciência e construir um país melhor, porque um país melhor não se consegue só com bons administradores e gestores, se consegue também com o povo mais consciente e depois acompanhando as decisões. O país, na avaliação da Conferência dos Bispos, tem avançado em várias políticas sociais importantes isso nos dá uma liberdade que nós permite fazer uma escolha racional e não uma escolha submetida a qualquer tipo de ameaça porque isso não ajuda em nada a gente poder avançar no nosso processo democrático.
Na corrida presidencial vimos de maneira muito mais intensa, nesse 2º turno, questões que a Igreja sempre abordou sendo usadas como moeda eleitoral e sendo razão, inclusive, de troca de acusações entre os candidatos, principalmente em relação ao aborto. Sabemos da necessidade de discutir esses assuntos com a sociedade, mas como o senhor avalia a utilização de temas que dizem respeito à vida de forma eleitoreira? Na verdade, esse tema para os dois candidatos que ficaram no segundo turno não será decisivo, justamente, porque os dois apresentam propostas muito semelhantes, especialmente no que diz respeito ao aborto. Ambos afirmam que pessoalmente são contrários, mas que se alguma mulher o tiver feito será tratada e acolhida na rede pública porque assim, na compreensão deles, deve atuar um estadista. A gente considera que limitar todo debate num ponto aonde as duas candidaturas de segundo turno convirjam basicamente em gênero, número e grau não nos ajuda no discernimento e na decisão do voto. Por isso que limitar todo o debate a esses temas, que são muito importantes e valiosos para nós, é insuficiente para esse discernimento do voto, uma vez que eles apresentam proposições muito semelhantes nesses temas caros à Igreja.
Também no segundo turno ficou mais evidente a aproximação dos candidatos a camadas religiosas da população, em reuniões com lideranças religiosas diversas, sejam elas protestantes, católicas, etc. O Estado é laico, mas os candidatos à presidência estariam reconhecendo a relevância das camadas religiosas para a decisão?
É muito importante que esse reconhecimento esteja acontecendo porque talvez se tivesse havido uma decisão já no primeiro turno todo esse movimento não teria sido feito. Agora, nós também, temos que ser cuidadosos porque muitos quando fazem essa aproximação não fazem realmente reconhecendo legitimamente o papel que as igrejas cumprem na promoção do bem comum, mas, às vezes, vem numa linha muito da instrumentalização, do poder e da capacidade que as igrejas têm de mobilizar pessoas, de orientar para valores. Discernir isso nem sempre é muito fácil, mas é importante que de qualquer maneira o Brasil continue sendo um Estado laico justamente porque sendo laico vai garantir a liberdade religiosa que para nós, católicos, é um valor muito importante em qualquer sociedade democrática. Nesse sentido, reconhecer o valor das religiões para a conquista e inclusão de mais pessoas na sociedade é um reconhecimento importante, tendo cuidado, sendo criterioso, para não acabar sendo utilizado simplesmente como apoio eleitoral.
Recentemente a CNBB foi acusada de ser contra a candidata Dilma Rousseff (PT), inclusive tendo feito a distribuição de panfletos contra a candidata. O caso foi esclarecido e ficou provado que os panfletos foram entregues de forma irregular e com a utilização indevida do nome e da marca da CNBB. para o senhor, o que motiva as tentativas de ligar entidades religiosas a campanhas pró ou contra candidatos?
Na verdade, é lamentável. Nós já expressamos isso em uma nota em outubro, em nome da Comissão Brasileira de Justiça e Paz. A própria CNBB depois corroborou com uma nota oficial, que, de fato, a logomarca e o símbolo da CNBB, que tem toda uma trajetória de oferecer critérios, tenham sido utilizados para vetar candidaturas porque isso não corresponde à trajetória da CNBB. O que estamos fazendo é o máximo possível esclarecer a população de que não é essa a posição da Conferência. A Igreja tem o direito de expressar e defender os valores que acredita, mas não pode a partir daí fazer uma campanha que, na nossa compreensão, acabou sendo instrumentalizada para fins eleitorais. Os bispos têm toda a autonomia para fazer cartas pastorais, alertar o povo para o discernimento, mas, de modo algum, chegar a esse ponto de vetar candidaturas, porque aí nós estamos tirando a liberdade de escolha dos próprios eleitores. São estes é que livremente devem discernir e decidir o seu voto. A Igreja, membro da sociedade civil, colabora naquilo que for necessário para a promoção do bem comum; agora quem dá o voto é cada eleitor, que depois tem que acompanhar o efeito que o seu voto teve e nesse sentido tem que ter responsabilidade com o voto que oferece, porque também o oferece para cada um dos outros eleitores. Por isso é muito importante convidar os eleitores a reflexão, ao discernimento e depois que acompanhem as pessoas que foram eleitas cobrando os compromissos que fizeram durante a campanha eleitoral. Daí a necessidade da CNBB não ficar diretamente indicando candidaturas.
Gostaríamos que o senhor fizesse um reforço, já na proximidade do dia da votação, sobre quais aspectos o eleitor deve considerar na hora de decidir o seu candidato? 
Um dos principais aspectos é a trajetória de vida dos candidatos. Perceber esse candidato ou essa candidata tem uma história de compromisso de promoção da vida das pessoas em todas as suas dimensões, em todas as suas etapas?  Como se expressou esse compromisso? É alguém que realmente tem uma história de ação nessa perspectiva? Tem experiência e está preparado para governar? Ou é alguém que apenas tem discurso e não atua de forma decisiva? Outro critério são os princípios da Doutrina Social da Igreja na perspectiva de valorizar as políticas de inclusão social, de socorro aos mais empobrecidos, de oportunidade de trabalho principalmente com seguridade social, toda perspectiva de educação e de cultura para a nossa população. Candidatos que valorizem esses aspectos necessários na vida digna do povo merecem o nosso voto. Outros que efetivamente não se dediquem as esses temas ou apresentem propostas incoerentes, somente propostas de campanhas eleitorais e não tem demonstrado na sua trajetória todo um compromisso com essa promoção da vida dos pobres e do bem comum a gente acredita que não mereça o nosso voto, que a gente possa ter realmente um critério ético, político, de discernimento, e cada um, a partir desses critérios faça a sua escolha livremente. 
 
Fonte: Fundação Nazaré

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