Dom HENRIQUE Soares da Costa
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Aracaju
O maior dentre os últimos acontecimentos - que Deus morreu, que a fé no Deus cristão fez-se incrível - já lançou suas primeiras sombras sobre a Europa." Estas palavras são de Nietzsche, filósofo ateu alemão do século dezenove. Palavras terríveis e, no entanto, proféticas: o filósofo constatava a morte de Deus na vida do Ocidente, que o apagou de sua consciência coletiva sócio-cultural. Isto mesmo: os que fazem a cultura, os que ditam os valores e normas de comportamento de nossa sociedade, agem como se Deus não existisse! Para eles, efetivamente, Deus morreu! Está ausente das rodas dos manda-chuvas da economia e da política, da reflexão de grande parte dos intelectuais e dos astros e estrelas da mídia. Mesmo quando se fala em Deus, de que Deus se fala? De um deusinho vagabundo, que não passa de um ído lo reduzido miseravelmente a uma idéia vaga que diz "amém" a todas as loucuras e caprichos nossos.
Deus - o verdadeiro! - está morrendo na consciência de nossa civilização. Nietzsche dizia que esta realidade (que ele considerava uma "boa-nova"!) já estava dando seus primeiros frutos na Europa. E deu: as duas grandes guerras mundiais, os sistemas totalitários e os genocídios! E continua dando frutos, não somente na Europa - velha em todos os sentidos! -, mas também nas Américas e demais países "ocidentais".
Nossa sociedade encontra-se atolada numa incrível crise de valores, num terrível vazio moral: falta uma reflexão ética - e uma ética inspirada nos valores cristãos - no âmbito da cultura, da economia, da sexualidade, da família, dos meios de comunicação, da política. A ética que estão querendo construir agora, sem Deus, tendo somente o homem como centro e como medida, é uma ética de morte. Recentemente, um famoso filósofo australiano, Peter Singer, falava da sua teoria ética, chamada "utilitarismo de preferência": as coisas valem pela sua utilidade, inclusive a vida humana. Para Singer, é totalmente moral dar uma injeção letal num bebê deficiente, num marginal ou em alguém que esteja sofrendo. Estes não servem para nada, vão somente sofrer e dar trabalho. A utilidade é o critério do certo e do errad o E Deus? Não existe Deus! O homem é Deus! O homem está livre - como pensava Nietzsche - da tutela chata de um Deus paterno e castrador!
Nesta sociedade que descartou Deus como uma seringa usada, as pessoas já não mais conseguem encontrar um sentido para sua existência, uma razão que realmente fundamente a vida no tempo e na eternidade: os jovens drogam-se com entorpecentes; os adultos, com a febre do consumismo, da busca desenfreada pelo prazer e pelo poder. Tudo isso - repito com tristeza - porque as pessoas já não conseguem encontrar de modo claro um sentido para a vida: empurra-se a existência com a barriga! Três fenômenos de nossa cultura ocidental e de nossa época - fenômenos novinhos em folha! - mostram este vazio de sentido: (1) o consumismo desenfreado, muito bem representado pelas catedrais modernas, que são os shoppings centers.
Consome-se e consome-se para ter-se a impressão de que se está vivendo, preenchendo a existência e satisfazen do a saudade de infinito que perturba, teimosa, o nosso coração; a profusão frenética de eventos esportivos e shows: vivemos de evento em evento, de show em show, de espetáculo em espetáculo. para fazer de conta que estamos nos preparando para algo, esperando algo, experimentando algo novo, dando sentido e alegria aos nossos dias, enchendo de significado o tempo de nossa vida. Aí se grita até a exaustão aqueles chavões tão duvidosos e de sentido tão ambíguo: "Esporte é vida! Esporte é saúde! O esporte confraterniza os povos e traz a paz aos homens!" No passado dir-se-ia que Cristo é Vida e Paz (e só ele!), que Cristo dá saúde e alegria ao coração, que somente em Cristo os homens se descobrem filhos de Deus e, portanto, irmãos uns dos outros! Mas, numa sociedade sem Deus, é necessário encontrar outros tipos de religião. Observem-se as premiações dos jogos olímpicos: quanta pompa, quanta gravidade, quanta gente perfilada. parece uma c oisa tão importante, tão séria.
de vida ou morte! Observe-se como no carnaval fala-se do clima de paz, de harmonia, de felicidade, quase como se se tratasse de um êxtase místico. e (3) a explosão do mercado do turismo. Explosão exagerada, sobretudo nos países ricos, mostrando o quanto as pessoas, com medo de entrarem em si mesmas, de viajarem para o interior de si - buscando-se a si, e à sua consciência -, precisam escapar, conhecer sempre novas coisas e novos lugares, experimentar novas sensações, entretendo-se para não enfrentar a mesmice da existência que nos faz perguntar pelo sentido da vida!
Desculpe-me o leitor pela chateação; mas, que esperar de uma sociedade assim? Por que nos espantamos com a violência entre os jovens, com a marginalidade também dos "filhinhos de papai", com a dissolução das famílias, com a ânsia de poder, prazer e consumo?
No Evangelho, Jesus fala do Reino, que é a presença de Deus no coração do homem e do mundo. Presença que ele veio trazer e que se torna uma realidade quando nos abrimos de verdade à sua palavra, ao seu amor, ao dom da sua Presença em nós. Quem o encontra, encontra o sentido da vida - como ele mesmo, que sabia de onde vinha e para onde ia: "Saí do Pai e vim ao mundo; deixo o mundo e volto ao Pai" (Jo 16,28). Quem encontra Jesus, encontra o Reino; quem encontra o Reino, encontra o sentido da existência e já não mais precisa fugir, drogar-se com essas drogazinhas que o mundo atual oferece, empanturrar-se com as
bugigangas que a sociedade atual nos coloca à disposição. Quem encontrou o sentido da existência encontrou o maior de todos os tesouros, aquele escondido que, uma vez nosso, ninguém nos poderá tirar!
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