segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Essência da Religião




Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro

São Paulo, falando aos atenienses no Areópago, afirmou que Deus fez os homens "a fim de procurarem a divindade (...) ela não está longe de nós" (At 17,27). Apesar da variedade nas manifestações de fé, a criatura racional é considerada um ser religioso.

Trata-se da "íntima e vital ligação a Deus" ("Gaudium et Spes", nº 19). As consequências dessa atitude são sintetizadas na célebre frase de Santo Agostinho, no início de sua obra "Confissões": "Criastes-nos para Vós e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousar em Vós" (Livro I, 1).

Ao lado dessa exigência de nossa própria natureza, há uma outra. Diante da diversidade e até contradição nas crenças, é dever investigar com afinco a verdade. Deus não ensina doutrinas contrastantes, nem dita regras de procedimentos antagônicos. A obrigação de buscar, mesmo sem chegar a resultados definitivos, tranquiliza a consciência. O Pai levará em conta este esforço sincero, mesmo que os indivíduos cheguem a conclusões diferentes. O inaceitável é o nivelamento dos opostos. A indagação dos caminhos traçados satisfaz o Senhor misericordioso, que penetra no âmago de cada um e vê nossa fraqueza e limitações. Resta sempre o estrito dever de procurar a verdadeira crença e o comportamento daí resultante. O Concílio, na declaração "Dignitatis Humanae" sobre a liberdade religiosa, afirma: "todos os homens têm o dever de buscar a verdade, sobretudo no que diz respeito a Deus e à Sua Igreja e, uma vez conhecida, de a abraçar e guardar" (nº 1). E afirma: "Acreditamos que esta única religião verdadeira se encontra na Igreja Católica e Apostólica".

Na sua essência, religião é o relacionamento com a divindade e não um instrumento para favores terrenos, busca de solução aos problemas econômicos, restabelecimento da própria saúde ou atendimento das aspirações que lhe vêm ao coração.

Igualmente não se restringe a um contato egoísta com Deus, à procura dos próprios interesses isolando-se da comunidade a que pertence. Nem trata exclusivamente do campo espiritual mas abrange o homem todo, corpo e alma. Por isso, o Papa João Paulo II ensinou: "O exercício do ministério da evangelização no campo social (...) é um aspecto do múnus profético da Igreja" (Encíclica "Sollicitudo Rei Socialis", nº 41).

O assunto ora tratado é de grande importância. Nascem inúmeras doutrinas que se expandem sob o impulso das correntes de pensamento vigentes. Já São Paulo advertia: "Não sejamos mais crianças, joguetes das ondas agitadas por todo vento de doutrinas, presas pela artimanha dos homens e de sua astúcia que nos induz ao erro" (Ef 4,14).

O rápido surgimento de seitas, fenômeno universal e que não afeta apenas o cristianismo, traz consigo inúmeras expressões religiosas e comportamentos diversos. Aparecem novas formas de religiosidade. Procuram atender às aspirações e às mais variadas necessidades das diferentes camadas da sociedade. Prometem resolver os problemas que angustiam a população, mesmo que sejam de ordem puramente temporal. Algumas vinculam o êxito dos pedidos a valores pecuniários.

O anseio por desvendar o futuro alimenta uma clientela numerosa. Isso não é uma novidade entre os homens. Desde os mais remotos tempos, registram-se essas tentativas de contato com o além. As práticas mágicas perdem-se no passado e seus vestígios confundem-se com as primeiras manifestações do homem. Contudo, a antiguidade, em si, não é garantia de veracidade.

O progresso da ciência e o esclarecimento da origem de muitas expressões da natureza poderiam dar uma direção a essas atitudes. Isso, no entanto, não tem ocorrido. Com os maiores avanços técnicos, convivem à busca de soluções em doutrinas que não se coadunam com o nível intelectual de nossos dias.

Há uma sede de milagres, aparições e prenúncios. E, às vezes, arrastam multidões. Pode haver uma presença real do divino, mas o comum é se ter na raiz aproveitadores ou indivíduos de boa-fé sem um indispensável espírito crítico que ilumine esses acontecimentos. As autoridades eclesiásticas são muito prudentes. Somente após exaustivos exames e aprofundados estudos manifestam-se sobre a veracidade dos fatos. Revelam ingenuidade ou imprudência os que desprezam essas medidas acauteladoras. Constata-se, com certa frequência, entre os fiéis, uma religião intimista, que expressa tendências egoístas orientadas para a satisfação própria. No entanto, somos uma comunidade e não a justaposição de pessoas. Quanto mais anêmica é a fé, mais fácil enveredar por esses caminhos.

A sede de Deus, do transcendental, constitui um valioso meio para a preservação ou a recondução à verdadeira fé. No entanto, esses sentimentos, deixados às aspirações meramente subjetivas, são elementos negativos. Para os católicos, há normas objetivas. Diante de todos esses fatos, ensinamentos e anseios são elas que conferem autenticidade.

A deficiência de uma instrução religiosa aliada à falta de solidez nas atitudes, tornam o fiel frágil vítima dos "falsos apóstolos, operários enganadores, camuflados em apóstolos de Cristo", como nos adverte São Paulo (2Cor 11,13).

Esses e outros desvios causam pesados danos. Para enfrentá-los, dois fatores são importantes e se completam: o estudo do "Catecismo da Igreja Católica" (ou do Compêndio do Catecismo) e a humilde obediência à Igreja como a estruturou Jesus Cristo. O primeiro nos apresenta, em sua pureza, o ensino do Senhor. Possibilita-nos julgar o que é certo e de acordo com o Magistério. A ignorância religiosa é um grande mal, que prejudica gravemente o trabalho pastoral e a espiritualidade dos fiéis. A melhor compreensão do que é a Igreja de Cristo, leva-nos a obedecer às suas diretrizes.

Uma vida cristã sadia e operante é uma bênção de Deus.
8/10/2010

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